Se me encomendassem uma HQ, cujo tema principal fosse nosso país, deixaria desapontados muitos que esperassem de mim uma perspectiva ufanista, pois o título da minha historinha seria “O Brasil em: mais uma crise no Enem”. Até haveria uma rima pobre nesse título. O que acabaria por realçar a incompetência dos que realizam esse exame e a balbúrdia que surge em torno dele a cada ano.
Um exame que surgiu como um excelente mecanismo de substituição do famigerado vestibular, hoje se configura como um dos maiores micos do sistema educacional brasileiro, como se já não bastassem professores mal pagos, mal preparados, qualidade de ensino em decadência, escola sem a mínima infra-estrutura etc, etc, etc.
Há três anos, as provas do Enem entram no noticiário nacional e são mencionadas por dias a fio (até que surja algo mais interessante a ser noticiado) pela incompetência de um ministro de costas largas e seus subalternos em realizarem com serenidade e seriedade uma exame desse porte, sem que haja um vazamento de provas.
Enquanto isso, nós, professores, nos inquietamos com o nível delas. A cada ano, têm se exigido saber menos aos nossos alunos. Na prova do Enem (ou em quase todas as questões), basta ao aluno ter habilidade de leitura e estar preparado psicologicamente para suportar pressões, visto que o número de textos e questões é muito grande e acabam gerando tensão e muito cansaço mental.
Tudo bem que exigir habilidade de leitura no Enem em um país como o nosso em que muitos alunos das escolas públicas (para quem o Enem foi criado) entram e saem do Ensino Médio sem a habilidade de ler e compreender um pequeno texto de estrutura um pouco mais complexa, tampouco de redigir um texto com informatividade, sem redundâncias, sem incoerências e coeso.
Porém o que se observa é que ao invés de resolver os problemas de base na educação brasileira, de modo que os alunos saiam muitos bem preparados, mais uma vez o que vemos é adequar o sistema a essa baixa qualidade. No ensino regular, isso já acontece há anos. Alunos entram e passam de uma série para outra sem, muitas vezes, ter agregado nada a sua aprendizagem. Isso porque, nas entrelinhas, o governo deixa claro em suas alterações nos projetos educacionais surreais que o aluno DEVE ser promovido, salvo algumas pouquíssimas restrições.
E o que resta, então? Reduzir o Enem a um amontoado de questões com raras exigências de conteúdos referentes às disciplinas específicas, já que, se ocorresse o contrário, seria um tiro no pé do sistema educacional brasileiro, tendo em vista que sua baixíssima qualidade seria evidenciada pelo, também baixíssimo, aproveitamento dos alunos nas provas.
Daí, o que teremos? Universitários cada vez mais despreparados, pendurados nas universidades públicas (e algumas privadas) que ainda prezam sua qualidade e outros formando-se em universidades privadas (que são muitas) sabe-se lá como.
Mais uma vez quem vai pagar o pato? O cidadão comum que acabará por cair nas mãos de profissionais incompetentes.
Quanto à credibilidade do Enem, ao meu ver, está perdida. Se vão, de fato, tomar providências? Sei não.
Brasileiro tem memória curta e criticidade dependente do que a mídia divulga. A esta, o roubo das questões do Enem só interessa enquanto não surge uma notícia mais interessante, que dê mais audiência. E como os nossos governantes já sabem disso, seguem tranquilos se refrescando por aí, esperando o calor das discussões passar e fingindo-se preocupados e indignados por meios de seus assessores ou de alguns textos enviados às emissoras de televisão.
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