Acordar, viver
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
àquele reino onde não existe vidae eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasgam em mim o acontecimento,qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
Carlos Drummond de Andrade
PS: Se estivesse vivo, Drummond faria hoje, 109 anos.