terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
todas as buzinas
todos os reco-recos tocarem
atira-se
e
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA.
                                                                                                             Mário Quintana

domingo, 18 de dezembro de 2011

Uma crônica. Triste... Reflexiva...


Na escuridão miserável

Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
- O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.
- Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
- O que é que você está me olhando aí?
- Nada não senhor - repetiu. - Tou esperando o ônibus...
Onde é que você mora?
- Na Praia do Pinto.
- Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
- Entra aí, que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:
- Como é o seu nome?
- Teresa.
- Quantos anos você tem, Teresa?
- Dez.
- E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
- A casa da minha patroa é ali.
- Patroa? Que patroa?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
Hoje saí mais cedo. Foi 'jantarado'.
- Você já jantou?
Não. Eu almocei.
- Você não almoça todo dia?
- Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.
- E quando não tem?
- Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.
- Mas não te dão comida lá? - perguntei, revoltado.
- Quando eu peço, eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe disse pra eu não pedir.
- E quanto é que você ganha?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.
- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? - perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados. Pode parar que é aqui moço, obrigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto...

(Fernando Sabino)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Palavras perigosas!



Homônimas são palavras que se assemelham na grafia e/ou na pronúncia, mas apresentam significados diferentes .
É o caso de ACENTO e ASSENTO.

Recentemente, a primeira foi empregada em contexto inadequado no programa Caldeirão do Huck. Isso porque o texto em que ela aparecia fazia referência às cadeiras de um ônibus que fora reformado num dos quadros da referida atração global. Nesse caso, o correto seria ASSENTOS, que significa lugar, superfície onde se senta, e não ACENTO, cujo significado é sinal gráfico, tom de voz.

A seguir, uma lista de palavras homônimas que, como as mencionadas acima, podem ser perigosas e  gerar problemas a um escritor desatento:

ACENDER (iluminar, por fogo) e ASCENDER (subir, elevar);
APREÇAR (avaliar preços) e APRESSAR (acelerar);
ÁREA (superfície) e ÁRIA (melodia);;
CAÇAR (perseguir a caça) e CASSAR (anular, inutilizar);
CEGAR (tornar cego) e SEGAR (ceifar, cortar para colher);
CENSO (recenseamento, contagem) e SENSO (juízo);
CELA (quarto pequeno ou cubículo) e SELA (arreio de animais)
CERRAR (fechar) e SERRAR (cortar);
CESSÃO (ato de ceder, doação), SEÇÃO ou SECÇÃO (repartição, departamento; divisão) e SESSÃO ( tempo de duração de uma representação ou espetáculo, encontro, reunião);
CONCERTO (acordo, , arranjo, harmonia musical) e CONSERTO (remendo, reparo, arrumação);
ESPECTADOR (o que presencia) e EXPECTADOR ( o que está na expectativa);
ESPERTO (ágil, rápido, vivaz) e EXPERTO (conhecedor, especialista);
ESPIAR (olhar, ver, espreitar) e EXPIAR (pagar uma culpa, sofrer castigo);
ESPIRAR (respirar) e EXPIRAR (morrer);
COSER (costurar) e COZER (cozinhar);
INCIPIENTE (iniciante, principiante) e INSIPIENTE (ignorante);
INTENÇÃO ou TENÇÃO (propósito, finalidade) e INTENSÃO ou TENSÃO ( intensidade, esforço)
PAÇO (palácio) e PASSO (passada);
PROFETIZA (do verbo profetizar) e PROFETISA (feminino de profeta);
SINTO (do verbo sentir) e CINTO (objeto de vestuário);
SEXTO (numeral ordinal) e CESTO (balaio)TAXA (imposto) e TACHA (prego pequeno);
TAXAR (fixar taxa) e TACHAR (atribuir defeito);
VIAGEM (substantivo: viagem) e VIAJEM (forma verbal: que eles viajem);